quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Dia 6: A Very Chinese Christmas ou Como Jogar Mahjong

Os acontecimentos relatados aqui em meu útimo post se passaram no dia 24 de dezembro. Véspera de Natal. Como vocês já devem (ou deveriam) ter imaginado, chineses não comemoram o Natal. A mãe, toda fofa que é, comprou um Christmas Cake (que é tipo panetone) só por minha causa. Mas não houve ceia nem qualquer tipo de comemoração. Este post não contará, portanto, como são os costumes chineses no Natal simplesmente porque para eles o Natal é como outro dia qualquer.

O dia 25 começou com John e Max resolvendo se lembrar de que o aniversário do pai é no dia 26. Adivinhem se eles tinham comprado presente? Montamos no carro e fomos para o shopping em busca de um presente e na tentativa número 2 de ir ao cinema.

Mas já mencionei que era Natal? Os chineses podem não comemorar, mas a África do Sul sim e aqui, como no Brasil, Natal é feriado e nada abre. E, para piorar, parece que todos os habitantes da Cidado do Cabo acharam que era uma boa idéia ir ao cinema – provavelmente porque era a única coisa aberta –, então todas as sessões estavam esgotadas. Voltamos para casa derrotados e sem ânimo.

À noite comemos um jantar preparado pelo pai. É muito comum os homens cozinharem em casas chinesas, e não apenas em ocasiões especiais. Lavar louça também, pelo menos na família do John, é tarefa masculina, porque mãos femininas têm pele delicada e o detergente faz mal para elas (e quem sou eu para discutir, não é mesmo?).

De cima para baixo: Wan, Tiao, Tong e Feng.
Após o jantar fui convidada a jogar Mahjong. Quem aí já jogou Mahjong no computador? Aquele que tem várias pedrinhas com símbolos chineses e você tem que achar os pares que ficam na mesma camada, sabem? Então… O Mahjong que eles jogam não tem nada a ver com isso. Quer dizer, existem as pedras e existem os símbolos chineses, mas a forma de jogar é completamente diferente.

As pedras são divididas em quatro naipes diferentes: Wan, Tiao, Tong e Feng. O jogo é sempre jogado com quatro pessoas, cada uma com 13 peças. O objetivo do jogo é formar quatro trios – que podem ser seqüências ou trincas. As seqüências, nos naipes Wan, Tiao e Tong, são numéricas.

Agora olhe bem para as peças Wan.


Você conseguiria colocá-las em ordem numérica? Pois é, quando me mostraram as pedras, nem eu. Precisei assistir três rodadas para aprender (pai ficou surpreso com a velocidade com que aprendi – e eu também).

Já as peças Feng não são números e cada uma representa uma coisa. As pretas só podem formar trincas do mesmo símbolo, enquanto as coloridas também podem formar seqüência.

Mas aí entra outra coisa sobre os chineses: eles adoram apostar. Pai e mãe não (nos proibiram de voltar ao cassino, até), mas mesmo assim eles têm duas caixinhas com moedas antigas de 5 rands para brincar. Cada rodada vale, a princípio, 1 moeda. Existem alguns tipos de jogos que valem mais, ainda não entendi muito bem. Mas o que entendi é que às vezes você pode se deparar com uma dessas belezas aqui:

As de cima são as estações do ano, enquanto as
de baixo são flores que nem John sabe direito.
Estas são pedras extras. Não fazem parte de nenhum naipe a sua única função no jogo é fazer quem dá a sorte de pegá-las ganhar mais dinheiro. Cada uma delas dá ao sortudo – caso ganhe a rodada, é claro – uma moeda a mais.

Acho que nunca comentei por aqui, mas sou louca por jogos de mesa. De carta, tabuleiro, dados, não importa. Mas tenho mesmo é uma predileção por jogos de carta. Aprendi a jogar buraco com 7 anos de idade, com minha avó. Desde então me tornei sua companheira e a parceira perfeita do meu pai nas partidas em família. E depois vieram crapô, canastra, paciência… Até mesmo nos jogos mais inocentes, como rouba-monte, porco, mãozinha e mau-mau, lá estou eu na mesa. Truco, por incrível que pareça, só fui aprender há poucos anos e pra falar a verdade não sou muito fã. Acho bobo.

Portanto não é de se surpreender que eu volte para o Brasil carregando uma caixa de peças de Mahjong e obrigue todo mundo a aprender para jogar comigo. Estão avisados.

Quê? Se eu ganhei a partida? Hum… Digamos que naquela primeira noite eu tive sorte de principiante, mas no dia seguinte botei pra quebrar. Ganhei disparado de todo mundo, principalmente do Max (que saiu para se encontrar com uma garota misteriosa e foi substituído pela mãe, que não é lá muito chegada no jogo). Já hoje – dia em que estou escrevendo este post – tive uma vitória linda de um Dragão (é como se chama quando se consegue fazer uma seqüência do mesmo naipe de 1 a 9) arrancada das mãos por John, o impiedoso, e acabei perdendo até minha última moedinha de 5 rands. Mas tudo bem. A vingança será maligna.

Dia 5: Mother Focas


No quinto dia programamos o alarme do celular para tocar às 9:30hs da manhã. Ele de fato tocou, mas John – que havia ficado jogando no computador até sabe-se lá que horas – desligou. Resultado: acordamos às 11 da manhã com Max batendo no quarto e perguntando se a gente tinha desistido de ir ver as focas.

Ah, sim. Antes de dormir, no dia anterior, nós havíamos combinado de ir até a Seal’s Island – que, como o nome diz, é a ilha das focas. Só que, como o nome diz, é uma ilha. Não dá para ir andando e nadando é um pouco difícil, já que o Atlântico do lado de cá é geladíssimo. Portanto, tínhamos que pegar um barco que tem horários programados e o último deles era – de acordo com o site – às 11:10hs.

Acordei de mau-humor por causa do atraso, culpando o John por ter desligado o alarme e por todos os outros crimes da humanidade. Pobre do namorado. Quando meu mau-humor matinal passa, fico morrendo de pena dele.

Resolvemos tentar a sorte e ir para lá mesmo assim, porque o pai tinha falado que havia um último barco que saía às 12:30hs mas não estava no site.

O tal lugar era longe. Quarenta minutos de carro. E quarenta minutos aqui, vejam bem, é bem longe. Mas fomos pela beira da praia e pude ir admirando o mar, o céu e o sol lindo que estava fazendo, o que deu fim no meu mau-humor.

E o pai estava certo. Havia mesmo um último barco às 12:30hs, e como chegamos por volta do meio-dia lá ainda tivemos uma meia hora para ver as barraquinhas de artesanato em volta.

Os artesanatos eram lindos. Eram bolsas, colares, panos e animais de madeira e pedra. Tinha até de marfim – que eu não comprei de jeito nenhum, mas devo confessar que eram lindos e eu me senti culpada por achar isso. Comprei alguns de madeira e um hipopótamo de pedra lindo que ainda não decidi se vou dar para minha mãe ou ficar para mim.

Meio-dia e meia em ponto o barco aportou. Subimos a bordo eu, John e Max, nosso companheiro de aventuras. Várias outras pessoas, de diversas nacionalidades – inclusive um menininho de uns 4 anos de idade que passou falando um português bem parecido, mas que não era, com o brasileiro – também subiram. E o vento batia frio, congelando minhas pernas brancas expostas no mini-short que já virou meu uniforme nos quentes dias daqui.

Então o barco saiu. E lá fomos nós – eu, alegria!, sem enjôo nenhum apesar do balanço – visitar a tal ilha onde as focas tomam sol.
Ainda no porto já dava para ver que de tímidas as gorduchas não tinham nada. Dormiam ali mesmo, nas bóias dos barcos aportados, sem a menor cerimônia. Algumas, provavelmente já recuperadas da soneca da hora do almoço, vinham curiosas se exibir para as pessoas no barco, nadando bem pertinho e ponto a cabeça para fora da água pra espiar, gerando um coro de “AAAAAAWWWWWW”.

Feliz da vida, eu ia tirando fotos de tudo até minha câmera resolver que as pilhas tinham acabado. Paciência, fui registrando tudo na memória. Por isso não pude tirar fotos das pinturas rupestres ao longo do caminho (elas estavam longe e eu preciso trocar meus óculos, mas John me disse que os desenhos eram búfalos).

E então chegamos num lugar cheio de pontinhos pretos na água. Demorou algum tempo para eu entender que aqueles pontinhos todos eram, na verdade, focas. Por algum motivo elas todas nadavam ou com um dos braços (nadadeiras, Tatiana, nadadeiras...) ou com os pés pra fora da água. Havia uma meia dúzia em cima das pedras e eu resolvi tentar ligar minha câmera de novo – o que funcionou e ainda consegui filmar e tirar um monte de fotos. Estava lá, toda entretida e feliz filmando as cerca de duas dúzias de focas nadando e tomando sol, quando John me cutucou e disse que eu talvez preferisse ir para o outro lado do barco.

Lá estavam elas. Dezenas, provavelmente centenas de focas tomando sol e nadando ao redor da verdadeira ilha das focas.

O barco foi voltando bem devagarinho, para não assustá-las (não que eu ache que elas, tranqüilas como estavam, fossem mesmo se assustar com um barco que as visita cinco vezes por dia). E eu fui, criança feliz que sou, me despedindo delas.

Almoçamos em um restaurante de frutos do mar – que eu não sou lá muito chegada, mas eles tinham sushi e se tem um peixe que eu gosto é salmão, mas só se for cru – e na volta John quis me mostrar um pouco das vinícolas das quais os sul-africanos se orgulham tanto.

O lugar era realmente lindo. Uma delícia de ambiente, como aquelas fazendas antigas no Brasil. Só que com uma infra-estrutura muito melhor e toda adaptada para receber turistas.

Havia uma placa que me deixou realmente interessada. “Beware the baboons. Do not picnic.” Confesso que tive vontade de fazer um piquenique só para ver se aparecia algum babuíno mesmo e durante todo o passeio eu não desgrudei os olhos dos campos, na esperança de ver algum. Só vi um esquilo e uma família de patos.

Voltamos para casa e, embora o céu estivesse lindo, nós estávamos cansados. Os pontos turísticos mais importantes da cidade estão muito lotados por causa da alta temporada e só vamos visitá-los depois do Ano Novo. O resto do dia passamos em casa, exceto por uma passada rápida no shopping para ver se conseguíamos pegar uma sessão de cinema. Não conseguimos.

domingo, 25 de dezembro de 2011

Dias 3 e 4: Conhecendo os amigos e enfim!, turismo.

Como uma forma de diminuir o atraso nos meus relatos (porque três dias são mais do que suficientes para que pequenos detalhes sejam esquecidos pela nossa memória), condensarei os dias 3 e 4 em um único post aqui.

Meu terceiro dia na África do Sul começou com algo raro por aqui durante o verão: chuva. Por causa dela (e por termos chegado quase às 5 da manhã do cassino na noite anterior), acordamos bem tarde. Mãe e pai (é assim mesmo que eles falam comigo, “your mum” e “your dad” para falar um do outro) estavam trabalhando, portanto almoço foi por nossa conta.

Fomos ao shopping novamente, fizemos mais algumas comprinhas e voltamos para casa. Dia chuvoso é preguiçoso em qualquer lado do Atlântico.

À noite, então, fomos à casa do melhor amigo da vida toda do John. “Uncle” Victor e seu irmão Morgan. “Autie” Andrea, namorada desde sempre do Victor, não estava.

É difícil me acostumar novamente a apresentações com não-brasileiros. Para ser bem sincera, eu nunca gostei muito dessa coisa tupiniquim de beijinho na bochecha de quem eu nem conheço, mas pelo menos é uma regra social que eu conheço e sei que os outros estão esperando. Mas como cumprimentar um não-brasileiro que não está acostumado ao calor humano dos latinos?

Por sorte “Uncle” Victor fez uma certa pesquisa e já conhecia os beijinhos brasileiros. Só que ele deu dois beijinhos, como carioca, e a paulista aqui só dá um. Beijinhos acertados, ele nos ofereceu vinho.

Sul-africanos têm uma relação especial com o vinho. Falar das vinícolas (e visitá-las) é motivo de muito orgulho e não gostar de vinho é praticamente um insulto. Não sou a maior especialista e sou mesmo é chegada numa cerveja, mas gostei do vinho. John e “Uncle” Victor acharam o vinho mais ou menos. Eu sei lá.

Após muito vinho, ping-pong, sinuca e conversa fora, posso dizer que gostei muito dos amigos do John. O que é um alívio, porque não gostar dos amigos do namorado pode ser um problema sério.

Voltamos para casa por volta da 1:30 da noite. John tinha dentista às 2 da tarde no dia seguinte. Acordamos à 1 com Max entrando no quarto e perguntando se a gente tinha morrido.

Mãe e pai de novo trabalhando, comemos McDonald’s mesmo (que era o mais perto e rápido) e saímos para a dentista.

Ah, sim. Talvez agora seja a hora de explicar que a dentista é a mesma “Auntie” Andrea (lê-se “An-dré-a”, como em português, não “Ândria”, como em inglês) que mencionei antes. Ela, assim como eu, tem descendência suíça. Ela, diferente de mim, fala alemão e suíço-alemão fluentemente.

Novamente o constrangedor momento de não saber como cumprimentar. Ia acenar, ela fez que ia me dar beijinho; eu fui dar beijinho, ela resolveu acenar. Decidimos que um abraço rápido era a melhor forma e ela foi se ocupar de cuidar da boca do meu namorado.

Após isso, “Uncle” Victor foi buscá-la no trabalho e John decidiu que enfim era hora de me mostrar um pouco da parte turística da Cidade do Cabo. Pegamos carona com os dois até o aquário da cidade.

Nemos!
Logo na entrada vi Doris, Nemos e todo o elenco do filme da Pixar ao vivo e em cores. Como no fundo eu sou apenas uma criança grande, passei a saltitar entre os aquários e fotografar e filmar tudo ao redor. John, do alto de sua paciência chinesa, apenas me observava e tirava fotos minhas quando eu pedia.

E, como sou uma pessoa muito sortuda, a exposição especial da temporada no aquário era de sapos. Quem me conhece (e até quem não me conhece, porque faço questão de deixar isso bem claro para todo mundo) sabe que eu tenho pavor de sapos. Com a ajuda do John, no entanto, consegui me desviar deles e não vi quase nenhum.

O lado de fora do aquário é outra coisa fantástica. Ao lado de um hotel 7 estrelas (é isso mesmo, você não leu errado), em frente ao lindo e azul Oceano Atlântico (que deste lado de cá é geladíssimo). Um daqueles centros comerciais bem feitos para turista ver, sabe? Cheio de grupos tocando música e fazendo danças típicas e de lembrancinhas a preços exorbitantes.

Desta vez não pude resistir às lembrancinhas e comprei uma foca de pelúcia por 65 rands (o equivalente a, hum..., menos de 20 reais). Por que foca? Oras, porque ali mesmo, ao lado do hotel 7 estrelas e em volta dos iates dos hóspedes, havia focas descansando ao sol (meu quarto dia aqui – assim como os que vieram após ele até agora – foi de céu azul e sol queimando). Consegui, inclusive, filmar uma família de focas no cais com os dois filhos brigando enquanto a mãe dormia (e de vez em quando acordava, dava uns rugidos do tipo “Menino, se cês não pararem de brigar agora mesmo eu vou aí com meu chinelo resolver isso!” e voltava a dormir).

Mas a história das focas é longa e faz parte do meu quinto dia aqui. Ao quarto dia cabe dizer que ainda não acabou.

Mãe e Max foram nos buscar no aquário e viemos para casa descansar. À noite saímos com “Uncle”, “Auntie” e Max para tomar umas cervejas num restaurante alemão. Na volta, “Auntie” queria passar numa feirinha que ia até a 1 da manhã e me usou para convencer os rapazes (afinal, que turista resistiria ao convite de “Quer ir fazer compras numas lojinhas lá no centro debaixo de luzes de Natal?”).

A feirinha era exatamente como uma feirinha no Brasil, só que completamente diferente. Hum. Complicado? Vejamos... Imaginem uma feirinha dessas de rua, com barracas e gente vendendo roupas e brinquedos e lingeries ao ar livre. Pensou? Agora imaginem que os donos das barraquinhas são todos muçulmanos e que as roupas que eles vendem são roupas típicas de, bem, muçulmanos. E com lingeries sendo vendidas nas mesmas barracas daqueles véus e túnicas de cobrir o corpo inteiro. Agora você têm uma idéia da feirinha.

A África do Sul, assim como muitos países na Ásia e no restante da África, tem muitas pessoas de origem islâmica. Os daqui são essencialmente malaios, mas também tem de outros lugares. Vi pela primeira vez na minha vida uma mulher usando uma burka na rua. Só uma mulher, até agora, mas já deu para sentir a diferença.

É uma coisa bem diferente você assistir O Clone ou ver na TV aquelas mulheres com véus cobrindo a cabeça e aqueles homens usando túnicas. Ver ao vivo dá a sensação de ter entrado em algum portal e ter sido transportado a uma realidade totalmente diferente, à qual você não pertence e faz você se sentir meio um intruso.

Logo o relógio bateu 1 da manhã e as barraquinhas foram se recolhendo. Nós também voltamos para casa, nos despedindo (desta vez sem beijinhos) de “Auntie” e “Uncle”. O quinto dia e as focas nos esperavam cedo.

sábado, 24 de dezembro de 2011

Dia 2: Casino Royale e Jantando com a Máfia

Meu segundo dia em terras africanas começou por volta das 11 da manhã. Logo após o almoço, fomos ao shopping. Sei que não é o melhor lugar para se começar a explorar novas terras, mas John não trouxe praticamente nada para vestir do Brasil, então precisávamos comprar algumas coisinhas antes de mais nada.

O shopping é, hum… Um shopping. Lojas, cafés, praça de alimentação… A única grande diferença é a arquitetura. Por dentro e por fora, ele não é aquela coisa quadrada e sem personalidade dos shoppings brasileiros. Não sou nenhuma especialista em arquitetura - para isso precisaria chamar o meu pai -, mas arrisco dizer que há um tanto de barroco e/ou neoclássico ali. E pinturas no teto. E muitas lojinhas de lembrancinhas da África do Sul que me deixaram com vontade de torrar todo o dinheiro que trouxemos ali mesmo. Por sorte John não me deixou. Ainda vou voltar lá para comprar algumas coisas, mas a maioria ele disse que encontro bem mais barato e com qualidade muito melhor em outros lugares.

Exploramos bem os shopping e algumas lojas, achamos meia dúzia de roupas para que John tivesse o que vestir e voltamos para a casa. Tínhamos um jantar marcado com amigos antigos dos pais dele às 18:30hs.

O jantar era no restaurante do Ritz Hotel. No último andar. Em uma plataforma circular que girava para mostrar a paisagem em 360°.

Então os amigos dos pais dele chegaram. Um casal mais velho, de cerca de 70 anos de idade, e o filho de 40 com a esposa de 20. Todos chineses, é claro.

A partir daí, me senti entrando em um filme do Jackie Chan. Não das comédias americanas que ele faz hoje em dia, mas daqueles antigos de máfia, mesmo. Agora talvez seja um bom momento para mencionar que, até onde eu saiba, eles não são realmente mafiosos. Mas que tinham cara, tinham. Especialmente o cara de 40 com a cara cheia de cicatrizes de espinha ao lado da esposa estilo China for Import que estava sentado bem em frente a nós.

Apesar da sensação constante de que qualquer um deles poderia começar a dar golpes de kung-fu a qualquer momento, o jantar foi bastante agradável. Ganhei presente do casal mais velho - um pingente lindo mas gigante de pedra com vários morceguinhos (disseram eles que traz sorte) e a comida era muito boa. A vista, então, nem comento. Esqueci minha câmera em casa e quis me jogar do alto do prédio, mas Max, o cunhado, levou a Nikkon dele e tirou algumas fotos. Roubarei mais tarde.

Terminado o jantar, voltamos para casa. John, então, quis me levar a um lugar onde eu jamais havia ido: um cassino. Confesso que tinha curiosidade mas ao mesmo tempo um pouco de medo de perder dinheiro, mas John parecia tão animado e eu defendo a política do "por que não?". Então fomos. John, eu e Max.

Não gostei muito da primeira meia hora lá. Perdi cem Rands (a moeda daqui, vale cerca de 4,5 vezes menos que o real - o que faz, para os ruins em matemática como eu, os 100 Rands valerem cerca de 25 reais) nos caça-níqueis e quis voltar para casa chorando. John, então, resolveu me apresentar à maior perdição e diversão de um cassino: as mesas de pôquer.

A única vez em que eu havia jogado pôquer antes disso foi enquanto ainda estava na Nova Zelândia, e joguei apenas algumas rodadas e portanto não me lembrava como fazer. Após ver John jogar, resolvi tentar a sorte. Não digo que nadei em sorte de principiante, mas fui razoavelmente bem.

É uma sensação estranha, ir a um cassino. É como se entrássemos em uma realidade paralela em que dinheiro vale bem menos do que fora de lá. Enquanto no "mundo real" nós pensamos muito bem antes de gastar 100 Rands em uma camiseta, apostar a mesma quantia em uma rodada de pôquer gera um pensamento de "Vou apostar só isso, mesmo? E se eu ganhar?". Uma total desparametrização (ah, meus neologismos…) do valor do dinheiro. Bastou sair de lá e já voltamos a pensar se valia mesmo a pena pagar 200 Rands para pegar um táxi ou se deveríamos chamar Max para nos buscar (isso às 4:30 da manhã, Max se cansou logo e voltou para casa com o carro).

Uma experiência interessante. Mais interessante ainda ver aquelas pessoas apostando 10, 20 mil (e às vezes perdendo tudo) numa única noite. Nós gastamos cerca de 2 mil e voltamos para casa com mais de 4. Um bom lucro, mas uma loucura para não cometer sempre. Ainda bem que não há cassinos no Brasil.

E assim se encerrou meu segundo dia aqui. Estou escrevendo este diário com alguns dias (três, para ser exata) de atraso porque, como vocês devem imaginar, não tenho tanto tempo livre assim para gastar na frente do computador. Mas àqueles que estiverem se interessando, continuem seguindo. Novos relatos não tardarão a ocorrer.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Dia 1: A viagem, os sogros e a whole new world

Ah, o avião… A oitava maravilha do mundo, que encurta as distâncias e desafia fronteiras, inventada - não me venham com Irmãos Wright - por um gênio brasileiro de 1,65m de altura. Nada como uma viagem de avião… desde que você não se sente nas poltronas do meio de um Boeing 747 por 12 horas seguidas e sofra de enjôo.

Duas situações me provocam enjôos crônicos: ler em movimento (o que é terrível quando você viaja bastante e está na faculdade) e viajar de avião. Não sei quanto a cruzeiros porque nunca fiz um - mas tenho o estranho pressentimento de que a experiência não seria boa para mim. Uma coisa, no entanto, que não sei explicar é porque eu sempre esqueço deste "pequeno detalhe" todas as vezes que viajo de avião.

E não foram poucas vezes. Entre 2008 e 2009 - período em que morei na Nova Zelândia -, fiz quatro viagens de 13 horas seguidas cada (sem contar as três horas até a escala em Buenos Aires). E em todas, sem exceção, eu me esqueci que tinha enjôos. Talvez por não terem sido muito fortes e nem em todas as vezes, mas fato é que esqueci. Por favor, não permitam que eu me esqueça novamente. Ter sempre um Dramin na bolsa quando for viajar de avião, esta é minha nova regra.

Após sofrer, então, por 12 horas (10 até Johanesburgo e depois mais 2 até a Cidade do Cabo), enfim chegamos. Não vou mentir, eu estava nervosa. Muito. Não é todo dia que a gente conhece sogros chineses que não falam inglês lá muito bem. Por mais que John tentasse me acalmar, nada tirava da minha cabeça que eles iriam me odiar e me dar de comer aos pandas de estimação. Ou algo do tipo.

Então os encontramos. Os três chineses - baixinhos, fazendo John parecer um gigante do alto de seus 1,75m - mais felizes do aeroporto. O mais novo - o cunhado, Max, de 19 anos -, segurando flores. Para mim. 

Seguimos para o carro - uma van de 11 lugares, porque os sogros fazem pacotes turísticos para chineses. E a partir daí tive uma idéia - embora estivesse tão morta da viagem que não consegui prestar atenção em absolutamente nada da paisagem no caminho - de como serão minhas três semanas aqui: Ouvir chinês o tempo inteiro, volta e meia tendo a conversa traduzida por John ou pelo seu pai.

Agora, sim, sobre os sogros. Helen, a mãe (que obviamente não se chama Helen, assim como John não se chama John e Max não se chama Max - todos têm seus nomes chineses que eu ainda não aprendi a pronunciar), sempre sonhou em ter uma filha - ou uma nora, o que para eles dá no mesmo. E Sam, o pai, é - ao contrário de todas as expectativas - um senhor muito falante e simpático. Chinês com um tantinho de sangue Real - a mãe é da Manchúria, o que aparentemente significa ter sangue de dinastia do Império -, aprendeu japonês sozinho e sem nunca ter ido ao Japão. Trabalhou como tradutor chinês-japonês por muito tempo antes de se mudar para a África do Sul e virar guia turístico. Fala inglês melhor do que a esposa, então volta e meia traduz a conversa para mim (ou fala diretamente em inglês para que eu possa entender).

Mencionei que Helen sempre sonhou em ter uma filha, certo? Pois é. Pois durante todos estes anos ela vem comprando pequenas coisinhas que daria para uma filha, caso tivesse. E agora ela tem. O que significa que já ganhei mais presentes desde que cheguei aqui do que durante os últimos 5 anos da minha vida. E John disse que ainda tem mais. Claro que adoro ganhar presentes, mas com tantos assim eu já nem sei mais como agradecer. E, como boa mãe chinesa - o que, neste quesito, é igual a uma madona italiana -, vive tentando me alimentar com tudo o que tem na geladeira. As comidas - ok, preciso ser sincera neste momento e dizer "quase todas" - são uma delícia, mas eu ainda não sou um avestruz e de vez em quando preciso me refugiar no quarto para poder parar de comer.

Os dois, sogro e sogra, são duas das criaturas mais apertáveis que eu já conheci. Daquelas que dá vontade de morder e guardar num potinho, sabem?

"Tati-nia" acima. Embaixo, a forma correta.
Ah, sim. Nomes. Como eu disse, os nomes deles não são estas adaptações ocidentais dadas por uma antiga vizinha. E, bom, o meu nome É realmente Tatiana. Depois de alguns minutos ensinando os pais a pronunciarem corretamente, John finalmente conseguiu - coisa que não consegui em 1 ano e meio de Nova Zelândia (onde o mais perto do meu nome que eles conseguiam pronunciar era "Tash"). E a mãe sacou na hora papel e caneta para escrevê-lo em chinês. Na primeira tentativa, escreveu "Tati-nia". Após risos de John e Sam, Helen se corrigiu. "Tati-ana", escreveu.

E me chamam de "Tati", assim mesmo, direitinho, do mesmo jeito que você leu. Ou "Yato", que significa algo entre "moça" e "filha". Ou, como Helen prefere me chamar, "Ana". Agora é o momento em que eu preciso confessar que sempre quis ser chamada de "Ana" por alguém. Acho fofo.

O primeiro dia acabou cedo, como já era previsto. Antes das 10 da noite - fuso-horário de 5 horas à frente do Brasil -, estávamos roncando na cama. E no dia seguinte acordamos por volta das 11 da manhã e John me levou para conhecer um pouco da cidade. Mas aí já é assunto para o próximo post...

domingo, 18 de dezembro de 2011

Um Novo Continente

Para aqueles que ainda não sabem, amanhã vou viajar. Embarco às 18:30hs no aeroporto de Guarulhos rumo a Johanesburgo (e logo em seguida, à Cidade do Cabo), na África do Sul. 

Para quem não lembra, já mencionei em postagens anteriores que o namorado é da África do Sul. Mais ou menos. Bom, o que importa é que sogro, sogra e cunhado moram lá. E vou conhecê-los. E - no que diz respeito aos sogros - não falam inglês lá muito bem. Níveis de ansiedade e medinho altíssimos. Oh, céus.

Vou passar três semanas - praticamente minhas férias inteiras - no Continente Selvagem. E, tal como eu fiz durante minha estadia de um ano e meio na Nova Zelândia em meu antigo blog, vou manter um diário de bordo por aqui. Contarei tudo o que acontecer tão logo tenha acesso à internet (parece que na casa dos sogros a internet ainda é discada). 

Começo, portanto, com um relato da preparação para a viagem.

Não. Um ano atrás eu jamais poderia imaginar que estaria embarcando para a África do Sul. Mas como as coisas - ainda bem - não precisam que você as imaginem para acontecerem, no fim de julho a passagem estava comprada. Presente do namorado. Recapitulando: começamos a namorar em junho. 

Momento utilidade turística: para viajar para a África do Sul brasileiros não precisam de visto. Explicando melhor, porque sempre tem aquele que pensa que "não precisar de visto" significa "livre para entrar". Não é bem assim. "Não precisar de visto" significa que nós não precisamos ir até um consulado sul-africano e entrar com pedido de visto caso nossa intenção seja ficar até três meses no país. Mas sim, quando chegamos no aeroporto de lá temos que passar pela Imigração e convencer o agente de que não, não estamos entrando no país para trabalhar ilegalmente e que vamos voltar em até três meses. Se o agente vai com a nossa cara, ganhamos um carimbo no passaporte. Se não vai, aí já é outra história...

Não precisamos de visto mas precisamos de vacina. Febre amarela. E ela deve ser tomada no máximo dez dias antes da viagem. Faltam informações pela internet sobre isso, mas após muito pesquisar descobri: a vacina pode ser tomada em qualquer postinho de saúde, a carteirinha de vacinação deve ser levada ao aeroporto no dia do embarque e trocada por uma carteirinha internacional. Tomei a minha há cerca de um mês.

Malas prontas. Me prometeram que eu veria leões. Espero que sim. De qualquer forma, volto daqui a alguns dias com novidades. Me desejem boa viagem.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Bolsas, Bolsinhos, Bolsões

Uma coisa que me tira do sério (ou me faz rir, dependendo do meu humor/época do mês em que estou) são as matérias reservadas "para mulheres" em sites e revistas de variedades. Todas partem do princípio de que mulher, sem exceção, sempre está bem arrumada, com o cabelo recém-saído da última ida ao templo das fofocas cabeleireiro, com a roupa impecável comprada na última coleção daquela loja cara do shopping, perfumada, linda e maravilhosa. Não que elas não existam. Você, que está agora lendo este blog, pode mesmo ser uma delas. Mas levantem as mãos todas as mulheres perfeitas que eu conheço e ainda não encherão um salão de beleza.

Mas, como boa leitora compulsiva de porcarias na internet que sou, sempre dou uma checada nas "dicas de beleza" (que nunca vou seguir) que alguns sites publicam. A última dica a me chamar a atenção tinha como título "Como passar o esmalte sem borrar", e era um vídeo de uma série de soluções simples para problemas cotidianos. Como, enfim, no fundo ainda sou mulher e não gosto de gastar com manicure, fui xeretar para ver se tinha alguma coisa interessante que eu pudesse usar. 

A dica, explicada neste vídeo, começa com uma historinha bem cotidiana para ambientar as interessadas: Imagine que você tem um encontro com aquele gato (linguagem de Revista Capricho detectada, primeiro sinal de alerta), mas não teve tempo de passar na manicure para fazer as unhas. Você então põe uma roupa e sai correndo, quando percebe que o esmalte que você está usando não combina com o vestido (momento "esmalte tem que combinar com o vestido" detectado, segundo sinal de alerta). Já dentro do ônibus em movimento, o que você faz? Simples! Você saca imediatamente de dentro da bolsa o esmalte ideal para o vestido e um objeto com o tamanho e formato de uma bola de tênis (ou uma própria, "caso você esteja voltando do clube" - de vestido.) para segurar e dar firmeza às mãos enquanto pinta as unhas.

Certo. Obrigada, excelente dica. Minha única dúvida é: Quantos objetos do tamanho e formato de uma bola de tênis você carrega casualmente na sua bolsa? Tudo bem que diz a lenda - e há relatos de fontes confiáveis - que de uma bolsa de mulher pode-se tirar praticamente tudo, mas eu duvido muito que alguma ande com uma bola de tênis, assim, como quem não quer nada.

Bigger on the inside?
A regra geral, defendida por estudiosas do mundo inteiro, é que mulheres carregam na bolsa tudo aquilo que consideram que um dia poderá ser crucialmente útil. Celular, carteira, óculos de sol são itens básicos - carregados até mesmo pela maioria dos homens. Protetor solar, caneta - às vezes mais de uma, para o caso da primeira falhar - e pelo menos um absorvente extra just in case são coisas que você vai usar com certeza uma hora ou outra. Um pacotinho de bala ou chiclete para aqueles momentos em que precisar refrescar o hálito, uma escova de dentes, um espelhinho. Dependendo da preferência da dona, um ou muitos itens de maquiagem (na minha, lápis, rímel e um batom que nunca uso). Chaves da casa e, se for o caso, do carro. Colírio não pode faltar para quem usa lentes ou passa muito tempo em frente ao computador. Um bloquinho de notas ou um caderninho, porque nunca se sabe quando você precisará anotar alguma coisa ou terá aquela inspiração para escrever. MP3 player, fones de ouvido e/ou um livro para momentos de tédio ou quando você precisar esperar por alguém. Durante o verão é imprescindível a presença de um guarda-chuva. Há também quem não saia de casa sem uma garrafa d'água. E, caso você tenha um namorado ou marido, celular, carteira, óculos de sol e tudo mais que ele quiser levar ("Põe na sua bolsa, amor?").

Mas, a não ser que você seja uma tenista profissional, quais são as chances de você ter, agora, uma bola de tênis na sua bolsa? Revirei a minha umas duas vezes. Não. Nada que sequer lembre uma.

A dúvida que me assombra é: estes vídeos de "dicas" ou são feitos por mulheres perfeitas que descobriram a tecnologia dos Timelords e conseguem carregar até bolas de tênis dento da bolsa ou por homens que vão fundo demais na crença de que mulheres carregam - e devem carregar, se quiserem ser mulheres lindas e femininas - a casa inteira e mais um pouco na bolsa. Baseado no narrador, acho que já sei a resposta.



Update: Falando em bolsas e "bigger on the inside", navegando pela internet acabo de me deparar com isso. Acho necessário e fica a dica pra quem quiser me dar presente de Natal. 

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Sonhos Que Eu Tenho

Já comentei aqui neste blog que tenho sonhos bizarros. Muitos sonhos. Muito bizarros. 
Desde minha mais remota lembrança tenho estes sonhos. Para mim eles sempre foram muito normais e eu achava que todos tinham sonhos como os meus - até eu começar a contar para as pessoas e elas fazerem cara de "Céus, você é louca". 

Na adolescência, talvez devido aos hormônios, a freqüência e o nível de bizarrice dos sonhos aumentaram muito. Somente após os 19 eles começaram a ocorrer com menos freqüência - ou eu passei a lembrar menos deles.

Houve uma época em que tentei interpretá-los. Quer dizer, alguns sonhos que tenho são facilmente explicáveis - foram causados por algo que vi, falei ou pensei durante o dia. Já outros, por mais que terapeutas possam tentar interpretar, simplesmente não significam nada. A não ser que eu tenho uma imaginação bastante fértil.

Mas há uma espécie de padrão nos meus sonhos. A maioria deles podem ser enquadrados em algumas categorias. São elas:

- Cidade dos Sonhos: Há uma cidade que freqüentemente visito durante os sonhos. Comecei a sonhar com ela por volta dos 15 anos de idade, e no começo era uma cidadezinha de interior, com uma pracinha simpática e coreto no centro. Com o tempo ela foi aumentando - não me perguntem como, mas eu sempre sei quando estou nesta cidade, e também sei que é a mesma cidade desde a primeira vez -, ganhando prédios, lojas, prefeitura, shopping centers, metrô. Uma das regiões desta cidade tem verdadeiros arranhacéus de centenas de andares, com elevadores que andam em todas as direções. Com grande freqüência eu visito o topo destes arranhacéus e observo - com uma certa vertigem mas sem muito medo - a cidade lá de cima. Há também nesta Minha Cidade muitas igrejas, que são o próximo tópico.

- Igrejas e Sinagogas: Não sou religiosa. Oficialmente me considero agnóstica, mas confesso que tenho lá minhas crençazinhas aqui e ali. Não vem ao caso. Mas o fato é que já tive e ainda tenho muitos sonhos passados em igrejas e sinagogas. Todos eles são envolvidos por uma aura extremamente religiosa - quase medieval. Já sonhei, por exemplo, que eu era um homem entrando numa igreja, chorando porque havia perdido toda a família. Esse homem - eu - olhava para o Cristo pendurado no altar e, gritando algo em russo, tirava um punhal do bolso e o enfiava na própria barriga. Em outro sonho eu chorava copiosamente em uma sinagoga porque queria o direito de entrar na área reservada para os judeus de nascença, até que um rabino de barba longa me entregou algumas escrituras que eu deveria ler antes de poder entrar ali. Em outro, ainda - que por acaso foi o primeiro sonho que me lembro na Minha Cidade -, eu procurava por uma igreja ortodoxa. Ao encontrá-la eu precisava urgentemente entrar nela, mas vi que ela estava em reforma. Havia anjos assustadores em sua fachada.

- Shopping Centers: Menos macabros do que os do tópico anterior, os sonhos com shopping centers têm se tornado mais freqüentes nos últimos anos. São sonhos em geral chatos, porque entram em um ciclo que nunca termina. No último que tive com este tema eu tinha que sair do shopping após seu fechamento, e a única forma era através de um tobogã no qual eu tinha que prestar muita atenção para fazer a curva no lugar certo ou voltaria para dentro do shopping. Não preciso dizer que esqueci de fazer esta curva MUITAS vezes, até enjoar do sonho e acabar acordando.

- Praias, Piscinas e Lagoas: Estes são sonhos que eu realmente precisaria filmar para poder explicar. Na parte de piscinas e lagoas em geral eu também vôo - o que acontece quando eu pulo muito alto e demoro para voltar ao chão. Já as praias são verdadeiras obras surrealistas. São sonhos bastante claros e cheios de cores vibrantes, todos os desta categoria. O mar muda muito de forma - em uma das vezes ele era cerca de 1,5m mais alto do que a areia e ficava como que "pendurado" no ar, como se houvesse uma barreira invisível segurando-o. As piscinas em geral têm chafarizes e animais - como uma vez, em que o tubarão que habitava uma delas virava um leão quando saía da água. Já as lagoas são sonhos com natureza, geralmente com uma cachoeira e trilhas na montanha. Só em sonho, mesmo...

- Mudar de Casa: Já mudei muitas vezes. Contando nos dedos não cabe em uma mão todas as mudanças que já fiz na minha vida. Mas se eu for contar aí também as mudanças que já fiz em sonhos, não sobra dedos para contar história - nem se eu usasse os de todos vocês juntos. Estes sonhos se passam em casas ou apartamentos que são verdadeiros paraísos. São em geral sonhos muito agradáveis, mas que me deixam um pouquinho triste quando acordo e percebo que não era verdade. Confesso que estes sonhos talvez representem minha inquietação ao morar muito tempo em um lugar só.

- Viajar: Estes são os sonhos em que eu mais digo a frase "E desta vez não é sonho, é de verdade!". Não precisa nem dizer quão decepcionada fico quando acordo, não é? Já viajei para o Egito, para Paris, Londres, Madrid, Tóquio, Pequim, Sidney... Tantas cidades e países que já conheci em sonhos que não saberia citar todas. Em vários destes sonhos eu choro de emoção ao perceber que "realmente" estou no tal lugar. Sonhos deliciosos, mas que invariavelmente me deixam triste quando acordo.

- Dorgas, Manolo!: Estes são aqueles sem pé nem cabeça. Um dos mais célebres foi quando fui expulsa de um avião em pleno vôo e decidi voar atrás dele para me vingar. O céu estava vermelho e eu voava com os braços abertos, como um avião. O avião, por sua vez, fugia de mim e volta e meia "olhava" - imaginem algo como Jay-Jay, o Jatinho - para trás para ver se eu ainda estava atrás dele. Bem que uma amiga dizia que na nossa turma "o mais normal corre atrás de avião". Faz sentido.

Tenho ainda várias outras categorias que poderia colocar aqui, mas deixo para contar sobre elas quando tiver sonhos fresquinhos - ou me lembrar de algum antigo - para relatar. Por enquanto deixo vocês só com uma idéia de o que se passa na minha cabeça enquanto estou dormindo.

E vocês? Que tipo de sonhos costumam ter?

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Que tem Fiuk a ver com as calças?

Posso assistir qualquer tipo de filme. Adoro os de suspense e gostou muito de um bom terror (mas tem que ser bom, não me venha com Pânico ou coisa do tipo). Não tenho problemas com cenas de assassinato, sangue, explosões, pedaço de gente caindo pelos cantos. Mas nunca, NUNCA consegui assistir a uma cena de estupro.

Por muito tempo achei que isso se devia ao fato de eu ser mulher e saber que aquilo poderia acontecer comigo. Mas eu também sou gente e poderia ser assassinada, seqüestrada, cortada em pedacinhos e devorada por Hannibal Lecter, não?

Hoje, após ler a brilhante entrevista que nosso caro Fiuk deu para a Playboy, finalmente entendi porquê. Trecho da entrevista:
"Eu sou a favor de a população botar a cabeça no lugar, de as mulheres abaixarem um pouco a minissaia, segurarem um pouquinho a “periquita” porque o bicho está pegando."
Ah, então agora tudo faz sentido! Nós, mulheres, é que temos que abaixar a saia e segurar a periquita porque, afinal de contas, homem não tem o menor controle sobre o próprio pau e se a gente não se cuida, eles saem por aí comendo todas as que derem mole. E as que não derem. Porque se a gente não abaixar a minissaia e não "segurar a periquita", eles podem acabam nos estuprando "sem querer", né?

Versátil: Além de "ator" e "cantor", ele também é um babaca

Vocês podem argumentar que não foi isso que ele disse, que estou pondo palavras na boca dele. Na mesma entrevista ele diz que já fez sexo com sete mulheres ao mesmo tempo. Com certeza, sete mulheres que não abaixaram a minissaia nem "seguraram a periquita". Mas se ele é contra as mulheres que não se "dão ao respeito", porque é que comeu sete delas ao mesmo tempo? Ah, sim, porque ele é homem... Porque elas estavam lá, dando sopa, e ele não podia controlar o pau e dizer não, né?

Entre isso e um homem que acha que pode fazer sexo com uma mulher à força só porque ela está de minissaia é um pulo.

Então eu entendi. Meu problema com cenas de estupro não é porque eu poderia ser estuprada. É porque, toda vez que uma mulher é estuprada, todas são. No nosso direito de vestir o que quisermos, de andar por onde quisermos, de escolher com quem faremos sexo ou não. O estupro a uma mulher não é uma violência contra aquela mulher, mas sim contra todas.

E ainda tá cheio de menina tietando babacas como ele.

Da Série: Sonhos Que Eu Tenho

Adoro sonhar. Desde que me lembro por gente, tenho os sonhos mais estranhos de que tenho notícia. Há inclusive uma cidade para a qual recorrentemente volto. Uma verdadeira metrópole, com shopping centers e metrô. Mas este sonho não se passou na minha cidade. Foi um sonho isolado, estranho. Daqueles que me fazem ter a sensação de assistir a um filme, mas do lado de dentro da tela. Não participei exatamente dele, embora volta e meia estivesse no corpo do menino mudo. Como começou não sei precisar, mas a história é - com alguns detalhes faltando, mas nenhum a mais - essa que eu conto.



Era uma mansão. Dois andares, o segundo completamente estofado. Não se podia pisar com os pés calçados ali.

Uma casa cheia de segredos. Uma família estranha. Eram uma garota e seu irmão adolescentes. A empregada leal. Um príncipe e seu consorte jovem, loiro e etéreo. E era um menino mudo - cerca de 13 anos - agregado com seu irmão pequeno.

E havia um visitante. Alguém indesejado, procurando saber o segredo daquela casa. O príncipe, em sua nobreza, o recebera com muita hospitalidade.

E o visitante, por meios que não se sabe explicar, procura invadir os segredos e a segurança da estranha família. O menino mudo, tal como um cãozinho fiel que defende sua casa, mata o intrometido com um grito de ódio.

Confusão na casa. Sem falar sobre o assunto, todos ajudam a esconder o corpo. O príncipe, desconfiado, pergunta ao menino mudo de quem era a voz que gritou. O menino indica o irmão, o príncipe não acredita.

De repente um incêndio se inicia no piso superior. Todos correm a apagá-lo. O menino mudo novamente solta um grito. O príncipe vê. O menino corre para seu quarto, seguido pelo príncipe. Com a delicadeza característica de um príncipe, ele toma o menino nos braços e o interroga novamente. O menino começa a chorar. O príncipe o beija ternamente nos lábios.

O consorte loiro chega e sorri. Também abraça o menino. Era a profecia, todos entendem. O menino que podia falar e viera para proteger àquela estranha família. Prometido ao príncipe ainda em espírito.

A paz reina na estranha família da mansão.


Vi outro dia que estão desenvolvendo uma máquina que no futuro será capaz de filmar os sonhos. Não vejo a hora disso acontecer.

domingo, 30 de outubro de 2011

A Língua Nossa de Cada Dia

Nunca mencionei aqui, mas como - por enquanto - todo mundo que entra e comenta aqui já me conhece e deve saber, o namorado não é brasileiro.

Especificar exatamente de onde ele é pode ser complicado. Ele é sul-africano. Mas é chinês. E tem uma pitada de australiano. Em resumo, é nascido na China, naturalizado na África do Sul e morou três anos na Austrália. Fala chinês e inglês como primeiras línguas. Aprendeu um pouco de africâner nos últimos anos do colegial para poder se formar. Mora há quase dois anos no Brasil, onde está aprendendo português - com grande sucesso, digo com orgulho - na marra.

Nossos pontos de encontro são no português e no inglês. Mais freqüentemente inglês, já que sou mais fluente na língua do que ele em português. Mas a convivência no dia-a-dia e com colegas e família que não falam inglês fez com que criássemos nossa própria sub-língua. Um híbrido de português e inglês que é totalmente compreensível por quem fala as duas línguas mas soa coisa de gente doida para quem só fala uma das duas.

A globalização começa em casa. Pelo menos na minha.

Incluir palavras de uma língua durante uma frase na outra foi apenas a fase inicial do processo. "Can you please pass me that caderninho?" e "Me help com isso, please?". 
Sem que percebêssemos, uma palavra se tornou várias e começar uma frase em uma língua e terminar em outra passou a ser normal. "I'll have class até umas cinco da tarde".
O momento de reconhecimento de que aí havia surgido uma nova sub-língua se deu quando o namorado, perguntado sobre o horário de sua próxima aula, respondeu com total naturalidade: "It's seven e meia".

Para quem fala as duas línguas, frases como essa passam na maioria das vezes por despercebido. Apenas às vezes percebemos quando falamos assim. Mas para quem não fala as duas, são momentos engraçados de se assistir.

Um episódio desses se passou quando namorado conversava com nossa chefe e a irmã dela (que não fala inglês). Bons dez minutos de conversa, namorado vai embora. Mais tarde, nossa chefe vem rindo. Diz que assim que ele saiu, a irmã desatou a dizer que tinha entendido apenas metade da conversa. Que volta e meia ela prestava atenção na fala dele e de repente ele soltava metade da frase em inglês - e aí ela boiava. Nossa chefe não percebeu.

Outro episódio engraçado é quando namorado conversa por voz com os amigos de jogo online dele. São todos americanos (estadunidenses, como preferir) ou canadenses. Então lá estão eles, no meio de uma fase difícil, e namorado solta um "Que é isso, dude?". Nos segundos de silêncio que se seguem dá para sentir a interrogação gigante pairando no ar "Que diabos ele disse?".

Os mais puristas diriam que estamos assassinando nossas línguas. Como ex-futura-lingüista, adoro registrar estes momentos de "deslize" (não gosto de chamá-los assim) e me divertir com eles. 

Aí vocês me perguntam: E quanto ao chinês? Eu digo que será preciso (muita) paciência para que eu chegue lá. Mas um dia, quem sabe, daqui a alguns anos, seja preciso falar três línguas para conseguir entender tudo o que a gente fala.

sábado, 29 de outubro de 2011

Comercial de Margarina

Há quem sonhe com a família perfeita. Mãe e pai bonitos, crianças lindas, todos sorridentes e bem vestidos sentados ao redor da mesa do café-da-manhã. A típica família comercial-de-margarina, que por anos foi vendida em horário nobre diretamente da televisão para o sofá da nossa casa.

Sua família se parece com isso? É, a minha também não.

Muito se fala sobre a idealização da mulher perfeita pela mídia, mas ninguém parece pensar muito nos efeitos que idealizar a família perfeita podem causar. "Ah, mas todo mundo sabe que aquelas famílias nos comerciais são de mentirinha". Bom, pensando assim, todo mundo sabe que aquelas mulheres esculturais também são de mentirinha (em alguns casos, literalmente: a Beyoncé, por exemplo, já confessou que usa duas meia-calças para esconder a celulite durante os shows).

Não vou querer dar uma de especialista de Fantástico e falar sobre todos os males que vender um padrão de felicidade e normalidade pode provocar na cabeça das pessoas. Mas não me surpreende nem um pouco quando vejo pessoas reclamando de suas famílias que, apesar de não serem as famílias sorridentes de comercial de margarina, são muito bem ajustadas e felizes.

Claro que existem - e muitas - famílias com problemas sérios. Tenho contato com várias pessoas vindas de família assim. Por isso não é difícil identificar quando alguém vem com reclamações vazias.

Digo sempre que sou privilegiada. Venho de uma família que se aproxima ao máximo que a realidade permite de um comercial de margarina. Pai e mãe casados há quase 25 anos, felizes. Nunca presenciei uma briga entre eles - no máximo discussõezinhas bestas. Ninguém na família jamais teve problemas com drogas, ninguém engravidou com 14 anos de idade e nunca ninguém passou fome. Não há nenhuma vítima de violência grave e ninguém próximo morreu antes dos 60 anos de idade.

Temos nossos problemas? Claro. Eu e minha irmã por pouco não nos matamos na infância. Meus pais não me entendiam durante minha adolescência (e não entendem minha irmã agora). Minha mãe e minha avó lutaram contra a depressão durante longos anos de suas vidas. Volta e meia o dinheiro acaba e ficamos na pindaíba. Às vezes falta paciência e brigas acontecem.

Agora imaginem se eu fizesse de tudo isso o inferno da minha vida. "Oh, não posso ser feliz porque minha mãe tem depressão" ou "Oh, meu Deus, não temos dinheiro para ir ao cinema esse mês". É isso o que vejo acontecendo. Várias e várias pessoas reclamando de problemas naturais da convivência em família e sociedade. Pessoas que não se conformam em não viverem num comercial de margarina transformando garoa em tempestade só para terem do que reclamar. As mesmas pessoas que olham a foto da Gisele Bündchen na capa da revista e reclamam por não terem o corpo como o dela - mesmo atraindo olhares nas ruas ainda assim. Porque algumas pessoas precisam ter do que reclamar.

A essas pessoas, apenas sugiro que gastem tanta vontade de reclamar com algo mais útil. Fundem associações de amparo a pessoas com problemas reais, organizem passeatas contra o governo. E se ainda assim precisarem seguir um modelo de família perfeita, sugiro que levem seus horizontes um pouco mais além dos comerciais de margarina. Família feliz é aquela que tem sim seus problemas, suas diferenças e suas peculiaridades, mas que estará sempre lá quando você precisar dela.

A família mais feliz do mundo.

Deixo então essa pergunta - para a qual não espero realmente resposta. As coisas que você reclama da sua família são realmente problemas ou são apenas sua maneira de saciar a vontade de reclamar?

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Se eu morrer de salto alto...

Vivo uma vida cheia de emoções e perigos. Já quase morri várias vezes. Quase morro pelo menos uma vez por dia. Duas quando estou gripada ou ferida.
Depois de já ter agüentado pelo menos duas gripes, três ferimentos mortais e algumas tentativas de envenenamento, namorado aprendeu.

- Amor, se eu morrer...
- Já sei, já sei... Cremar, não enterrar. 

Ontem eu estava ferida. Por um motivo de mulher-bicho-besta, resolvi pôr o par de sandálias de saltos altíssimos que - coloquemos dessa forma - peguei emprestado da minha irmã. Aqui devo confessar uma coisa: não sei andar de salto. Devido a uma série de circunstâncias que envolveram desde dores nas costas até cinco anos de namorado quase mais baixo do que eu, acabei não desenvolvendo as habilidades femininas de se equilibrar em cima de um salto.

Andar de saltos altos está na natureza feminina. Ou não.

Mas depois de treinar algumas vezes em casa (vezes nas quais eu me sentia uma verdadeira Mulher-Gato em cima de salto agulha, pronta para arrasar), resolvi que já tinha skills suficientes para enfrentar o shopping. Resultado: de Mulher-Gato passei a me sentir a Mulher-Pato, meus pés suavam feito duas bicas e me faziam escorregar dentro das sandálias e sabe aquela poeira da rua que entra debaixo do seu pé e vira sujeira? Viraram verdadeiras pedrinhas que ficaram se esfregando nos meus já espremidos dedinhos, quase cortando a pele. Uma verdadeira tortura medieval, eu diria.

Sei não... Tenho minhas dúvidas de qual método é mais cruel.

E, claro, quase morri. Já bem treinado, namorado só ri da minha cara (o que acho uma injustiça, uma vez que eu estava quase morrendo para tentar ficar mais bonita para ele). Depois que eu desisti de bancar a Mamãe Ganso e resolvi tirar as sandálias ali no meio do shopping, mesmo (e comprar o primeiro par de chinelos baratinhos para não machucar os pés já feridos), voltamos para casa e eu me joguei na cama com os pés para cima.

Namorado quieto. Eu de pés inchados. Namorado resmunga. O que foi, dessa vez?
- Por que você resolveu pôr essas sandálias se sabia que iam machucar?
Nesse momento quase comecei um discurso sobre a sociedade machista e como ela obriga as mulheres a se infligirem os mais diferentes tipos de tortura para ficarem mais agradáveis ao sexo masculino, mas parei para pensar. Não, ele não havia me obrigado a usar as sandálias. Ele nem ao menos sabia que eu as havia contrabandeado na última visita à casa dos meus pais. Ele nunca deu a entender que gostaria que eu me vestisse de forma assim ou assado para ficar mais bonita para ele exibir.

Cheia de vergonha, admiti. Eu decidira colocar as sandálias porque eu achava que ficava mais bonita com elas. Por mais que a sociedade machista diga que as mulheres devam estar sempre lindas e femininas a qualquer custo, quem insistiu em sofrer no alto daqueles dez centímetros fui eu.

Levantei para ir ao banheiro. Pés explodindo de dor. Sinto que vou morrer.

- Amor, se eu morrer...
- Já sei, já sei... Cremar, não enterrar...

E são apenas quatro meses.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Primeiro Beijo


Ah, o primeiro beijo...

Primeiras vezes são sempre marcantes. Os primeiros passos (você pode não se lembrar, mas seus pais com certeza não se esquecem), o primeiro dia de aula, o primeiro melhor amigo, a primeira decepção, os primeiros beijos.

Sim. "Os" primeiros. No plural. Porque cada pessoa que beijamos pela primeira vez é um primeiro beijo. A primeira vez que aqueles lábios se encostam, a primeira vez que as línguas se conhecem. Às vezes (muitas vezes) o primeiro beijo é também o último. Nesses casos nem sempre eles são especiais ou dignos de serem lembrados, mas de certa forma foram marcantes. Ou deveriam.

Um primeiro beijo é a primeira troca de informações importantes entre um talvez futuro casal. É quando pela primeira vez um sente a respiração do outro, sente a textura dos lábios, o gosto da saliva, o cheiro da pele. É quando marcam o compasso, quando decidem o ritmo, como uma dança.

Eu gosto de beijar. Como boa leonina - calem-se os comentários de "Ih, ela acredita em Astrologia!" -, acho que beijar é uma arte e deve ser explorada em todos os menores detalhes. E adoro primeiros beijos. Confesso que não tive tantos quanto a maioria das pessoas, mas todos - ou quase todos - foram marcantes.

Primeiro beijo pra mim tem que ser longo. Não dá para trocar todas as informações citadas acima em questão de segundos. Tem que durar no mínimo alguns minutos (alguns dos meus duraram até horas). Não se pode ter pressa.

Demorei mais do que a média para ser iniciada nessa arte. Tinha quase 16 anos quando aconteceu. Era o amigo de uma amiga minha, que havia sido meu amigo na infância mas havíamos perdido contato. Foi num campinho de futebol na cidade pequena em que ele mora, numa noite de julho. Eu estava nervosa, mas não tanto a ponto de fazer feio. Foi um bom beijo. Um longo beijo. Não tão longo quanto eu gostaria porque a certa altura ele percebeu que meu coração estava querendo sair pela boca e, como não estava a fim de engolir corações alheios, parou para me abraçar.

Namoramos por cinco anos.

Meu segundo primeiro beijo ocorreu cerca de seis meses após o primeiro (nesse momento devo explicar que eu morava em Goiânia na época e meu primeiro primeiro beijo morava no interior de São Paulo, só começamos a namorar de verdade mais de um ano após os acontecimentos narrados). Foi numa festa de amigos do colegial - aquelas às quais eu nunca ia. Um amigo (ou seria inimigo?) com quem já tinha uma certa tensão sexual há tempos. Com álcool no sangue (uma latinha de cerveja com coca-cola, que vergonha...) e a música certa... Bam! Lá se foi nosso primeiro beijo. Novamente, longo. Muito longo. Longo o suficiente para todas as pessoas da festa se entediarem com a novidade e pararem de gritar "Oh, meu Deus! Eles estão se beijando!" (ah, o colegial!...).

Trocamos mais uma meia dúzia de beijos naquela noite. Depois disso, nunca mais.

Depois vieram mais alguns primeiros beijos de menor importância. Mas todos, sem exceção, foram longos. É, digamos, o meu estilo.

E então veio o namorado, que foi a razão pela qual comecei a escrever tudo isso aqui. Nosso primeiro beijo veio após meses de flirting (adoro essa palavra e acho que não existe correspondente à altura em português - "flerte" é coisa que minha avó fazia). Troca de olhares, provocações veladas (ou nem tanto), jogo de "quero-não-quero", toques "sem querer", uma ida ao cinema (para pagar uma aposta) e muita, mas muita vontade.

Era 16 de junho desse ano. Festa Junina no trabalho (trabalhamos no mesmo lugar), aquela onda de vontade no ar. Eu estava brava com ele porque no dia anterior ele havia recusado um convite para ir a um barzinho. "Quer saber? Cansei dessa brincadeira. Se ele não quer nada, vou partir pra outra."
Bar com os colegas após a festa. Sentamos de frente um para o outro (olha nossa dinâmica perfeita já sendo formada sem a gente perceber). Provocações e olhares voltam a acontecer. E o álcool começa a circular no nosso sangue.

Bar fecha (às 11:30 da noite, porque afinal de contas Barão Geraldo não é um bairro universitário, não é mesmo?) e alguns dos colegas resolvem esticar o happy hour numa festa da Unicamp. Ele vai? Então também vou.

Festa da Unicamp já acabando, mas ainda com bebida à venda. Os outros colegas já estão pra lá de Bagdá (e tem leitor que vai me matar por contar isso). Rindo do estado alcoólico dos outros, ele me abraça. "Aja naturalmente", uma voz na minha cabeça diz. Ficamos andando pela (extinta) festa abraçados, conversando com os mais alcoolizados. De repente nos vemos sozinhos. Os olhos se cruzam. Ainda temos discussões para saber quem moveu a cabeça em direção a quem, mas quando percebemos os lábios já estão colados.

E se passam minutos. E se passam horas. Não sabemos exatamente quanto tempo, mas ele chuta duas horas. Eu sou mais realista, acho que foi pouco mais de uma. Um primeiro beijo bem longo, do jeito que eu gosto.

Estamos juntos há quatro meses. And counting.

E você? Como tem que ser um primeiro beijo para você?