sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Dias 8 e 9: O Sapo Africano e A Pior Pipoca do Mundo

O oitavo dia começou preguiçoso. Mãe e pai levando grupos de turistas para passear, acordamos tarde. Enrola daqui, enrola dali, pensando no que faríamos naquele dia. Table Mountain (o principal cartão-postal da Cidade do Cabo) estava fora de cogitação porque entre Natal e Ano Novo as filas para subir com o bondinho estariam quilométricas.

Saímos então – John, eu e nosso companheiro de aventuras – para passear no Jardim Botânico (o daqui se chama Kirstenbosch Botanical Gardens). O caminho até lá passava pelo Morumbi (ou seja, a região das mansões) e por uma vista linda e privilegiada do lado de trás da Table Mountain, que a fazia parecer uma daquelas montanhas de filmes do King Kong.

Devo confessar agora que não sou uma grande conhecedora de botânica. No colegial foi a parte de Biologia em que me dei mais mal e nunca entendi muito bem essa coisa toda de briófitas, pteridófitas e angiospermas. Acho árvores e flores lindas como um todo e formando ou enfeitando um cenário, mas não me peça para parar de planta em planta e ficar lendo as plaquinhas com informações.

Kirstenbosch é um lugar lindo. Uma delícia, dava vontade de sentar na grama e ficar ali, ao pé da Table Mountain, apenas admirando a paisagem – o que de fato fizemos. Enquanto estávamos sentados debaixo de uma daquelas árvores típicas da África, um grupo de pessoas a uns cem metros de distância pára para observar algo se mexendo no chão.

Até aí tudo bem. Nem havia parado para prestar atenção. Mas então meu querido cunhadinho Max resolve dizer: “Hum... Acho que é um sapo”.

Eca! Eca! Eca! Irc!
Sapo. Hum. Acho que nunca comentei isso por aqui antes, e talvez agora seja um bom momento: Tenho medo de sapos. Medo, não; pavor. Não ligo para pererequinhas frias e grudentas – embora as prefira à distância –, mas a simples visão (mesmo em foto) de um sapo grande, verde e gosmento me arrepia os pêlos das costas e me paralisam. Já vi que vou sofrer quando for procurar foto para ilustrar esta parte do post.

“Hum... Acho que é um sapo”. Com estas palavras, Max fez eu me levantar de um pulo e voar para o colo do John. Aos poucos, no entanto, a área racional e curiosa do meu cérebro passou a tentar me convencer. “É um sapo africano, Tati... Você vai mesmo deixar de tirar foto dele?”. Não ligo muito para plantas, mas animais são a minha área, mesmo quando me deixam de cabelos em pé.

Ufa!
Armada com minha câmera fotográfica e munida de uma repentina onda de coragem, me aproximei da criatura. Cautelosamente, afinal de contas eu não queria sapo monstro africano nenhum me atacando. Mas ao chegar a uma distância que permitia a meus olhos míopes enxergarem, pude ver – com alívio – que não era um sapo, mas sim um caranguejo. E caranguejos eu gosto, principalmente com um bom molho em cima do meu prato.

John e Max não entendiam o que um caranguejo estaria fazendo ali, a uns bons muitos quilômetros da praia mais próxima e ao pé da montanha. Continuando nosso passeio pelo Jardim, logo descobrimos: eram comida de lontra. Não que eu tenha visto alguma, mas a placa num laguinho bem próximo dizia que elas viviam ali e se alimentavam de caranguejos (bom, pelo menos elas têm bom gosto...).

Já o dia 9 se passou como um dia comum. Sem poder ir à Table Mountain ou a outros pontos turísticos que estariam lotadíssimos até após o Ano Novo, passamos de turistas a moradores (bom, John já foi morador, mesmo...). Dia como qualquer outro em qualquer cidade onde você more. Casa, shopping, cinema.

Sim, cinema. Lembram-se de que no dia de Natal nós havíamos tentado ir ao cinema, sem sucesso? Pois é. No nono dia da minha estadia em Cape Town finalmente conseguimos. Apenas eu e John, porque Max estava em um dia de saco cheio e não quis vir com a gente. Assistimos Tintin, que me lembrou da minha infância e quando eu lia os livros do Hergé. Deu saudades e agora quero muito encontrar livros do Tintin para ler.

Como já dizia Douglas Adams no célebre livro O Guia do Mochileiro das Galáxias, não é nem um pouco interessante para os leitores quando o escritor dá todos os detalhes da vida comum. Por isso não vou dizer aqui o que mais fiz no dia 9. Não vou contar que fui ao banheiro, escovei os dentes, assisti TV, almocei, jantei, comi melancia como lanche da tarde e tirei uma soneca depois do cinema.

A única coisa que talvez seja do interesse de vocês é a pipoca que pedi. Tamanho pequeno, que era do mesmo tamanho das médias que a gente come no Cinemark, porque John não queria. Até aí tudo bem. Então experimento a pipoca, ainda no balcão, e estava faltando sal. Pedi para o atendente e ele me perguntou qual sabor de sal eu queria. Diante da minha cara de interrogação gigante, ele recitou uma lista dos tais sabores de sal disponíveis a uma velocidade e sotaque tão impressionantes que olhei para o John com cara de “Me ajuda, pelo amor de Deus”. John respondeu. “Sour cream and onion” (equivalente ao nosso “cebola e salsa”).

Com um estranho pacotinho e a pipoca na mão, nos encaminhamos para a sala de cinema. Na ingênua crença de que o conteúdo do pacotinho se tratava de sal com algum tipo de aromatizante de cebola e salsa, despejei tudo em cima da pipoca. Quem disse que eu consegui comer? Acontece que o tal “sal com sabor” era na verdade algo muito parecido com tempero de miojo. Já tentaram comer pipoca com tempero de miojo cru? Resultado: um pacote pequeno com tamanho de médio brasileiro cheio de pipoca foi parar na lata de lixo e eu fiquei com a língua cheia de pó (mesmo depois de bochechar com Coca-Cola).


Obs.: Como muitos já devem ter notado, no presente momento eu já estou de volta ao Brasil. Meus relatos se atrasaram devido a dias movimentados na minha última semana pela Cidade do Cabo. Mesmo já tendo voltado, os relatos continuam. Condensarei mais alguns “dias comuns” em um mesmo post, mas não esquecerei de nenhum. Continuem ligados. 

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Dia 7: Zhu Ni Shenri Kuaile

O dia seguinte ao Natal, dia 26 de dezembro, é – como já antecipei no post anterior – aniversário do pai do John. Acordamos no nosso costumeiro horário e lá estava o pai preparando o almoço. Almoçamos e logo arrumamos uma desculpa para sair e comprar o presente de aniversário dele (que não tínhamos conseguido comprar no Natal, lembram?).

Fomos a uma grande floricultura aqui perto. O pai, nas horas vagas, gosta de cuidar do lindo jardim/horta no quintal e pensamos que um bonsai seria o presente ideal para ele. Ledo engano. Nenhum dos bonsais era bonito o suficiente para a gente ter coragem de pagar o preço das etiquetas.

Saindo da loja, um pouco decepcionados e meio desesperados, vimos uma parte em que havia aquários. No post do meu primeiro dia eu pus uma foto das flores que eles me deram no aeroporto. Se vocês prestarem atenção, vão ver ao lado das flores uma vasilha de vidro. Pois nessa vasilha havia um peixe sem aquário.

Uma luz se acendeu em nossas cabeças. Entramos na loja e escolhemos o melhor aquário para iniciantes e mais uma meia dúzia de peixes (já que o aquário era grande demais para um peixe só). Pagamos e quando chegamos no carro fomos conferir o ticket da compra. O vendedor – muito simpático e prestativo – havia se esquecido de cobrar o aquário (cobrou apenas os peixes).

Como aqui não é Brasil e John e Max não são brasileiros, John voltou para pagar. Max e eu ficamos no carro. Após uma longa demora, John sai da loja com outro aquário idêntico ao que tínhamos acabado de comprar. Ficamos sem entender. John entra no carro e então explica:
“Entrei para pagar e o vendedor ficou surpreso (porque a maioria das pessoas não faria isso). Ele me deu, então, outro aquário para passar o código de barras no caixa. Fui lá, só que na hora em que voltei para devolver o aquário, o gerente da loja estava ao lado do vendedor. Olhei pro vendedor e ele fez uma cara de ‘Pelo amor de Deus, não diz na frente do meu chefe que eu esqueci de cobrar um aquário’. Então peguei o aquário e saí.” 
Voltamos então para casa e demos os dois aquários e os peixes para o pai, enquanto cantávamos parabéns (eu em português e os dois em chinês – como no título deste post). Max se encarregou de montar um dos aquários e o pai ficou todo feliz vendo os peixinhos coloridos nadarem de cá para lá.

Como era um dia especial, ficamos em casa com o pai. Jogando Mahjong. Foi o dia em que eu ganhei. Depois, só perdi.

O jantar de aniversário foi no restaurante da melhor amiga da mãe e minha segunda incursão no mundo dos chineses. Sim, estou hospedada na casa de quatro deles, mas o pai e a mãe não ligam muito para as frescuras tradições e rígidas regras sociais chinesas.

No caminho para o restaurante eu fui sendo ensinada coisas básicas, como falar “olá” e “obrigada”, em chinês. Cumprimentei a “tia” (como é amiga de longa data da mãe, virou “tia” dos filhos) com “Hello”, mesmo, porque ainda não me sentia confortável em dizer “Ni Hao” (especialmente porque se você errar um pouquinho, acaba dizendo “xixi” ao invés de “oi”).

Sentamos em uma mesa redonda com uma base giratória no meio. Chineses não têm esse mesmo costume da gente, de pedir cada um sua própria comida. Todo mundo pede junto e a comida é servida nessa base giratória para que todos possam se servir ou beliscar o quanto quiserem.

E, é claro, com hashi. Não comentei aqui porque acho óbvio, mas chineses comem usando palitinhos. Já sabendo disso, treinei bastante antes de viajar para cá e já cheguei sabendo me virar bem. Mas como não tenho olhos puxados, volta e meia acabo derrubando ou tendo dificuldade para comer alguma coisa.

Aí a “tia” e o irmão dela vieram sentar na mesa conosco. E foi a hora de brindar pela primeira vez.

Uma regra sobre brindes com chineses: Como sinal de respeito, os mais jovens e/ou abaixo na hierarquia social devem sempre brindar com a boca do copo mais baixa do que os outros. Isso às vezes gera situações engraçadas, quando duas pessoas mais ou menos na mesma posição hierárquica vão brindar e ficam abaixando o copo até encostar na mesa.

John já havia me alertado sobre isso ainda no Brasil. No primeiro jantar – aquele com os mafiosos –, confesso que esqueci totalmente, levando uma bronca do John. No primeiro brinde deste segundo jantar também esqueci, mas lembrei logo após o “tlim” dos copos. A partir do segundo brinde – por alguma razão, chineses gostam de brindar várias vezes durante o jantar, seja porque alguém novo chegou, porque abriram uma garrafa nova de vinho ou porque lembraram de algo interessante – eu lembrei e não me esqueci mais. Sorte que, novamente, como não tenho olhos puxados, ninguém espera que eu já saiba todas estas regras.

A comida estava uma delícia. Comi caranguejo – que amo de paixão –, lagosta, carneiro e sushi de salmão. Além de uma sopa estranha que estava um pouco apimentada demais para o meu gosto e salgada demais para o gosto dos chineses – John adorou, porque está acostumado tanto com comida chinesa apimentada quanto com comida salgada do Brasil. O irmão da “tia” até pôs um pouco de chá na sopa para aliviar o sal, o que me fez perguntar se isso era normal – não era.

Quatro garrafas de vinho e muita comida e bolo de aniversário depois, voltamos para casa. Ando descobrindo nestes últimos dias que posso tomar qualquer quantidade de cerveja, mas vinho me deixa absurdamente sonolenta. Não sei como não dormi no caminho de volta, mas ao chegar em casa só tive tempo de dizer boa noite e desmaiar na cama.